Brincando com o Sobrenatural – O Jogo do Copo
Sempre achei que o tal “jogo do copo” era só uma brincadeira boba. Meus primos góticos adoravam me levar ao cemitério, acender velas e fazer o copo deslizar pelo improvisado tabuleiro. Mas eu sabia — ou achava que sabia — que eram eles empurrando, rindo por dentro quando eu me arrepiava.
Até que um dia quis provar para mim mesmo que não passava de teatro.
Sem primos, sem cemitério. Apenas eu, Tiago, e três amigos que nunca tinham tentado nada do tipo: Tamille, Vanessa e Felipe.
Era para ser uma tarde de estudos. Os livros estavam abertos sobre a mesa, mas bastou alguém mencionar “o jogo do copo” para a ideia se espalhar como faísca. Dez minutos depois, já estávamos na rua, comprando velas — e não eram velas comuns. Encontramos umas estranhamente manchadas, com cores que se misturavam como se tivessem absorvido algo antigo. Eu devia ter desconfiado.
De volta à casa, empurramos a mesa para o centro da sala. O papel com letras e números ficou no meio, o copo virado para baixo, refletindo as chamas que tremiam nas paredes. O cheiro de parafina e fumaça enchia o ar, pesado.
Quando estávamos prestes a começar, Felipe ficou estranho. O sorriso sumiu, o olhar se perdeu. Os olhos começaram a revirar, e ele caiu para trás, como se algo tivesse puxado sua consciência para longe. Tamille gritou. Vanessa congelou. Eu só conseguia repetir o nome dele, com a garganta seca. Foram longos minutos até que ele piscasse e dissesse, confuso:
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
Tentamos rir nervosos, mas o clima havia mudado. Ainda assim, como idiotas, continuamos.
O copo se moveu na primeira pergunta. Lento, decidido. Formou um nome: S O N I A.
Antes que pudéssemos perguntar mais, ela se dirigiu à Vanessa. As letras se juntaram rápido:
O-D-I-O V-O-C-Ê
Disse que, se Vanessa não saísse do jogo, algo muito ruim aconteceria com ela. O tom era tão direto, tão gelado, que não houve discussão. Vanessa levantou e se afastou, os olhos cheios de lágrimas.
Restamos eu, Tamille e Felipe. Sonia parecia se divertir em humilhar Felipe, revelando coisas que ele nunca tinha contado a ninguém. E então veio o que nos calou:
M-E-U C-O-R-P-O E-S-T-Á N-A M-A-T-A. N-U-N-C-A F-O-I V-E-L-A-D-O. A-J-U-D-E-M.
O silêncio que seguiu foi sufocante. A chama das velas balançava, embora as janelas estivessem fechadas. Foi ali que minha dúvida acabou. Não era truque. Não era brincadeira.
Apressados, pedimos para encerrar. Sonia permitiu... mas antes, escreveu:
V-O-L-T-E-M.
Nunca voltamos.
Ela disse que nada aconteceria conosco. Mas desde aquela noite, os pesadelos são os mesmos: uma mulher de rosto pálido, olhos fundos, observando da beira da cama. Às vezes, quando estamos sozinhos, sentimos passos lentos se aproximando. E, quando nos reunimos, todos juramos ouvir a mesma coisa, bem atrás de nós — um sussurro arrastado:
“Voltem...”
Meses se passaram.
O cheiro de terra úmida começou a nos seguir como uma sombra. Estava no carro, na escola, na roupa recém lavada. Não importava o lugar. Era como se Sonia quisesse nos guiar.
Felipe foi o primeiro a quebrar o silêncio:
— Se não formos até a mata, ela não vai parar.
Ninguém contestou.
Nos encontramos ao entardecer, cada um com uma desculpa esfarrapada para os pais. Tamille levou uma lanterna; eu, uma pá; Felipe, um mapa de áreas abandonadas perto da cidade. Vanessa hesitou até o último minuto, mas acabou vindo. Talvez, no fundo, ela soubesse que, mesmo saindo do jogo, não estava livre.
A estrada de terra parecia mais longa do que no GPS. O ar ficava mais frio a cada quilômetro, e as árvores, mais densas. Quando o carro já não passava, seguimos a pé.
O silêncio era pesado. Nem grilos. Nem vento. Apenas o barulho de nossos passos na lama.
Chegamos a uma clareira onde a vegetação estava estranhamente morta. No centro, um amontoado de folhas secas e galhos cobria algo que exalava um odor pútrido. O cheiro era tão forte que senti a bile subir pela garganta.
— É aqui... — disse Tamille, quase num sussurro.
Felipe começou a cavar com pressa, como se não quisesse pensar no que encontraria. A cada pá de terra, o cheiro piorava. Até que algo apareceu: um pedaço de tecido rasgado, encharcado, grudado a ossos escuros.
Vanessa recuou, chorando. Eu fiquei paralisado.
Foi então que ouvimos. Uma respiração. Lenta, pesada, atrás de nós.
Viramos ao mesmo tempo.
Ela estava lá.
Pele esbranquiçada, cabelos colados ao rosto, roupas rasgadas cobertas de barro. Os olhos — negros e fundos — nos encaravam. A boca se abriu, revelando dentes quebrados.
— Vocês... voltaram.
Ela deu um passo à frente.
— Agora... vocês vêm comigo.
As lanternas piscaram e se apagaram. O frio se tornou insuportável. Senti mãos geladas tocarem meu pescoço, e então... nada.
Quando acordei, estava em casa. Sozinho.
Tentei ligar para Tamille, para Felipe, para Vanessa. Nenhum atendeu. Os números... simplesmente não existiam mais.
E na minha mesa, estava o copo.
Virado para cima.
Com terra dentro.
Bom
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